
Conforme já dissemos aqui, já houve sentença judicial favorável num processo que tinha o seguinte contexto: “...esse empregado fazia parte de um grupo composto por aproximadamente 80 (oitenta) colegas de setor. Em virtude de uma conjunção de fatores que ameaçavam a sua saúde face o iminente de contágio por covid-19 no início da pandemia, todos eles se ausentaram do trabalho em conformidade com o protocolo sanitário previsto pela própria empregadora, e durante o período em que havia uma liminar deferida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Essa decisão judicial determinava que a empregadora cumprisse os protocolos sanitários para evitar a propagação da covid-19 por ela mesma previstos e ostensivamente divulgados. Mas que não eram aplicados, na prática...”. A sentença julgou procedentes os pedidos formulados pelo Agente de Correios que propôs a ação em face dos CORREIOS.
Posteriormente, outro colega de setor do empregado mencionado acima ingressou com uma reclamação trabalhista idêntica (que tramitou perante a 18ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP), que teve decisão semelhante. Ela pode ser lida aqui.
Agora, um outro colega de ambos, que se viu submetido à mesma situação, propôs um processo contra o mesmo empregador. Esse feito tramitou perante a 34ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP, e o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do Trabalho Hamilton Hourneaux Pompeu adotou entendimento semelhante: julgou procedentes os pedidos nos termos abaixo destacados.
O ilustre Magistrado inicia a fundamentação da sentença tratando do histórico dos fatos: “...em síntese, o ente sindical ajuizou a ação Ação Civil Coletiva, visando determinar ao empregador, em sede de tutela provisória, a adoção das medidas sanitárias de prevenção à Covid-19 no âmbito do CTC Jaguaré, a qual veio a ser indeferida, razão pela qual em 29.05.2020 o sindicato profissional impetrou o Mandado de Segurança Coletivo, que resultou em decisão liminar proferida em 30.05.2020, a qual determinou a suspensão das atividades presenciais na referida unidade pelo período de 15 dias, além da tomada de medidas de desinfecção do local, conforme protocolo estabelecido pela própria Ré, dada a confirmação do diagnóstico de Covid-19 do empregado(...)...”
E o notável Julgador prossegue: “...na sequência, em 03.06.2020 a Impetrada, ora Reclamada, protocolou Pedido de Reconsideração, afirmando que a partir do diagnóstico o empregado infectado permanecia afastado do labor, que desde então não havia sido registrado nenhum novo caso de Covid-19 na unidade objeto da decisão, na qual atuavam o total de 600 trabalhadores, dos quais 127 estavam afastados como medida preventiva, que a edificação consiste em três andares, sendo que somente 60 estavam lotados no 1º andar, no qual se localiza o posto de trabalho do empregado infectado, e que o cumprimento generalizado da ordem judicial para a integralidade da equipe atuante no CTC Jaguaré inviabilizaria a execução dos serviços postais em diversos bairros, uma vez que aquela unidade ‘recebe diariamente uma média diária de quase cinco milhões de objetos e é responsável pelo tratamento de quase seis milhões’, razão pela qual na mesma data foi proferida decisão complementar, esclarecendo que a ordem judicial era restrita ao ‘setor onde prestava serviços o empregado afastado pela Covid-19’...”.
Sobre a defesa da Empregadora, o ilustre Juiz é categórico: “...reputo não prosperar o argumento da Ré de que ‘a decisão é taxativa e não abarca o reclamante’, pois verifico que o Autor e o colega infectado (...) atuavam no mesmo turno e setor, consistente no GTURN3, conforme declarado quanto ao segundo na contestação e comprovado quanto ao primeiro pela Ficha Cadastral e pela Ficha Financeira anexadas aos autos, sendo certo que a decisão liminar não faz qualquer menção a que o termo ‘setor’ signifique ‘célula’, interpretação restritiva pretendida pela Reclamada. Consigno entender que a Ré litiga de má-fé ao afirmar expressamente na contestação que ‘a ECT só foi cientificada da decisão do Mandado de Segurança em 08/07/2020’ (CLT, art. 793-B, incisos I e II), uma vez que há certidão naqueles autos comprovando intimação da decisão por Oficial de Justiça já em 31.05.2020, na pessoa do Gerente do Centro de Tratamento (...), cuja ciência pela Assessoria Jurídica da Reclamada é inequívoca, por impugnada a decisão já em 03.06.2020, o que implica, no mínimo, dar-se o empregador por citado naquela data, ainda que, inadvertidamente, em 08.07.2020 tenha sido expedida nova citação, a qual veio a ser tornada sem efeito em 13.07.2020, conforme expressamente declarado naqueles autos em despacho da Diretora de Secretaria da Seção Especializada em Dissídios Individuais...”.
O Magistrado de notável saber jurídico demonstra ainda que existia, sim, o severo risco de contágio por covid-19 nas atividades executadas no setor de trabalho. Isso legitimou as ausências do Agente de Correios durante o período da liminar desrespeitada pela Empregadora: “...registro reputar equivocada a alegação da Ré de que o período de suspensão das atividades no setor em que o Autor e (...) se ativavam deveria ser computado por 15 dias a partir de 23.05.2020, data de afastamento do trabalhador infectado, e não a partir da data da intimação ocorrida em 31.05.2020, pois não consta da ordem judicial qualquer alusão à data retroativa, sendo certo que, dada a inércia da Reclamada, os trabalhos tiveram continuidade pelo restante da equipe posteriormente ao afastamento de (...), não havia como saber quanto à existência de novos infectados assintomáticos entre os diversos empregados que com ele tiveram contato e que, potencialmente, poderiam propagar a virose aos demais, inclusive ao Reclamante. (...) Do exposto, declaro que, ao imputar faltas injustificadas ao Autor no período de 01.06.2020 a 15.06.2020, a Ré descumpriu a ordem judicial proferida na ação do Mandado de Segurança Coletivo...”.
Sobre os descontos, o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do Trabalho nos ensina: “...o Autor alegou que, em razão das faltas que lhe foram imputadas ilicitamente, sofreu descontos a título de salário/dia, de RSRs, de Vale-alimentação e de Vale-refeição, totalizando o dano material de R$ 1.280,57. Constato do contracheque sobre o labor em junho/2020 constarem descontos a título de ‘Faltas’, correspondente ao salário/dia em 11 ocasiões, no importe de R$ 1.523,86, e de ‘Repouso/Feriado-Perdas’, correspondente a três ocasiões, no importe de R$ 415,60. Condeno a Ré ao pagamento de R$ 1,280,57 (CPC, art. 141), a título de indenização por danos materiais decorrentes de descontos ilícitos...”.
Tais descontos ilícitos nos vencimentos do Agente de Correios, praticados pelo Empregador, causam dano moral presumido aquele. E, por essa razão, o sábio Juiz determina: “...reputo que no caso concreto a lesão de ordem íntima é presumida, uma vez que os referidos descontos corresponderam a 40,33% dos créditos que o trabalhador tinha a receber no mês da ocorrência, e que o salário se constitui no resultado da alienação da força de trabalho do indivíduo, sendo o único bem de que a maioria dos trabalhadores dispõe para garantir a sobrevivência, razão pela qual a CR/1988 alçou sua proteção a direito fundamental e tornou crime sua retenção dolosa (art. 7º, inciso X), sendo razoável entender que a brusca redução do valor habitualmente recebido tenha afetado a higidez psíquica, a honra e a dignidade daquele que estava amparado por ordem judicial para se ausentar do labor e que, dada a conduta ilícita do empregador, se viu sem saber se poderia fazer frente aos compromissos financeiros já assumidos e arcar com seu sustento sem sofrer constrangimentos (CLT, art. 852-D, parte final). No que tange ao valor da reparação, (...) condeno a Ré ao pagamento de R$ 3.000,00 a título de indenização por danos morais (CC, art. 927, caput), valor que arbitro tendo em vista os parâmetros dispostos nos incisos I a XII do art. 223-G, da CLT, especialmente pelo fato de que o bem jurídico tutelado é a dignidade do trabalhador, o caráter duradouro dos efeitos da ofensa, o grau de culpa do ofensor, a ausência de esforço efetivo para minimizar o dano e a situação social e econômica das partes envolvidas...”.
Não podemos esquecer que a r. sentença ora em destaque determinou a anulação do processo administrativo disciplinar promovido pela Empregadora. Com essa medida, objetivava punir o Agente de Correios pelas ausências durante o período da liminar por ela descumprida: “...declaro nulo o processo administrativo disciplinar, dada a ilicitude do objeto que visou apurar, uma vez que a ausência do Autor ao labor no período de 01.06.2020 a 15.06.2020 não pode ser caracterizada como faltas injustificadas, por configurar descumprimento de ordem judicial pela Ré, e determino que o empregador, ao fazer menção ao referido processo no prontuário funcional do trabalhador, por dever de ofício, faça apenas constar que o PAD foi declarado nulo em razão da presente decisão, razão pela qual não gera efeitos, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (CPC, arts. 536, § 1º e 537)...”.
Sobre a progressão prevista no Programa de Carreiras, Cargos e Salários 2008 da Empregadora (que foi negada em virtude das ausências do período da liminar descumprida), o brilhante Juiz determina também : “...o Autor alegou que as faltas que lhe foram ilicitamente imputadas pela Ré impedira sua progressão por merecimento em novembro/2020, a teor do PCCS/2008 praticado pelo empregador. Verifico que, sob o enfoque da periodicidade, o Reclamante era elegível à promoção por merecimento (item 5.2.3.2.2, ‘b’, dada que a progressão anterior na mesma modalidade havia ocorrido em novembro/2017, e a Reclamada não alegou qualquer outro óbice à elegibilidade do trabalhador. (...) Em conclusão, reconheço o direito do Autor à progressão salarial por merecimento em 01.11.2020, nos termos do PCCS/2008, pelo mesmo índice de reajuste salarial aplicado aos demais trabalhadores promovidos na mesma carreira e na mesma modalidade...”.
Nesse ponto, a r. sentença em destaque ainda determina que a Empregadora comece a pagar a progressão acima ao Agente de Correios mesmo que ainda caiba recurso dessa decisão: “...consigno que, uma vez que a natureza do direito ora reconhecido enseja diferenças salariais e, como tal, retrata matéria que irá viger por todo o contrato de trabalho do Reclamante, dado o caráter de prestações sucessivas, com intuito de evitar a perpetuação da execução ou o ajuizamento de novas demandas pela mesma causa de pedir e pedidos distintos apenas no que tange ao lapso contratual futuro, de ofício e por expressa autorização legal (CPC, art. 323), condeno a Ré a comprovar nos autos, no prazo de 15 dias da intimação da presente decisão, independentemente do seu trânsito em julgado (CPC, art. 297, parágrafo único e art. 311, caput e inciso IV), a correspondente inclusão em folha de pagamento, de forma destacada, sob pena de multa diária equivalente a R$ 200,00, até o limite de R$ 6.000,00 (CPC, arts. 536, § 1º e 537), com efeitos pecuniários a partir da data do ajuizamento da ação (CPC, art. 141)...”.
Por fim, o Julgador de notável saber jurídico reconhece que a Empregadora, em sua defesa, alterou a realidade dos fatos. E a condena por litigância de má-fé: “...a litigância de má-fé, comportamento no âmbito estritamente processual que consiste em abuso de direito (CC, art. 187), deve ser analisada à luz da garantia constitucional do direito de ação e do amplo acesso ao Poder Judiciário, pois todo aquele que se sente prejudicado pela parte contrária em sua esfera de interesses tem direito de vir a juízo defender de lesão ou ameaça de lesão o direito que entende possuir (CRFB/1988, art. 5º, inciso XXXIV, alínea 'a' e inciso XXXV). (...) Em sentido inverso, reputo que a Ré é litigante de má-fé, pois afirmou expressamente na contestação que ‘a ECT só foi cientificada da decisão do Mandado de Segurança em 08/07/2020’ (CLT, art. 793-B, incisos I e II), mas há certidão naqueles autos comprovando intimação da decisão por Oficial de Justiça já em 31.05.2020, na pessoa do Gerente do Centro de Tratamento, cuja ciência pela Assessoria Jurídica da Reclamada é inequívoca, por impugnada a decisão já em 03.06.2020, o que implica, no mínimo, dar-se o empregador por citado naquela data, ainda que, inadvertidamente, em 08.07.2020 tenha sido expedida nova citação, a qual veio a ser tornada sem efeito em 13.07.2020, conforme expressamente declarado naqueles autos em despacho da Diretora de Secretaria da Seção Especializada em Dissídios Individuais. Logo, por ter vindo a Juízo alterando a verdade dos fatos visando obter vantagem indevida (CLT, art. 793-B, inciso II), condeno a Ré na multa por litigância de má-fé, no importe de 9% do valor corrigido da causa (CLT, art. 793-C, caput)...”.
A empresa ainda pode recorrer da decisão.
Saiba mais aqui.
Corrêa, Rocha & Valente Advogados Associados – Direito de ecetista para ecetista.
Comments