
Ao longo da pandemia de covid-19, dissemos aqui, aqui e aqui que o “...contágio por covid-19 pode ser considerado acidente do trabalho...”. Repetimos: nos casos em que a empregadora não adota protocolos sanitários eficazes para evitar o contágio por covid-19 (ou não fiscaliza o seu efetivo cumprimento), essa doença pode ser reconhecida como acidentária, em reclamatória trabalhista. E mais: a empregadora pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais.
Após inúmeras sentenças favoráveis, dessa vez a 27ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP que se debruçou sobre um caso desse tipo. O Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do Trabalho Titular (Dr. Marco Antonio dos Santos), recentemente julgou uma reclamação trabalhista movida por um Operador de Triagem e Transbordo que trabalha no Turno III da unidade dos CORREIOS de nome CTC Jaguaré/SR-SPM. O Empregado comprovou, nos autos, que a referida unidade não adotava protocolos sanitários necessários para conter o contágio por covid-19, e que sobreveio a sua contaminação (que ocasionou a um período de internação que quase evoluiu para o seu óbito). Requereu o reconhecimento desse contexto, a lavratura da Comunicação de Acidente de Trabalho e uma indenização por danos morais.
Com um resumo das alegações das partes é como o ilustre Magistrado inicia a fundamentação da sentença: “...A petição inicial postula o reconhecimento da doença do trabalho e, por consequência lógica, a emissão da C.A.T. - Comunicação de Acidentes de Trabalho, além de indenização por danos morais. A reclamada, por sua vez, refuta o pedido, sob o argumento de que não há nexo de causalidade e, ainda, a ausência dos requisitos da responsabilidade civil...”.
Sobre as provas produzidas no processo, o Julgador de notável saber jurídico destaca que o laudo pericial foi determinante para o seu convencimento: “...Nesse compasso, este Juízo submeteu a apreciação da controvérsia ao expert judicial nomeado, para que este se manifestasse acerca da patologia alegada (doença do trabalho) e as respectivas consequências (dano/incapacidade). O laudo pericial concluiu que o quadro (patologia/doença) apresentado pelo reclamante foi causado no exercício das atribuições em favor reclamada, ou seja, caracterizando o nexo de causalidade DIRETO entre a doença e o trabalho, nos termos do artigo 20, inciso II, da Lei 8.213/1991. Observe-se que, o laudo pericial reconheceu o nexo de causalidade observando os documentos apresentados pelas partes devidamente alinhados com a descrição das atividades laborais e ainda a AUSÊNCIA DE comprovação de medidas de proteção eficazes na época, prevalecendo a tese da inicial, in verbis: ‘A doença diagnosticada no reclamante pode ser considerada decorrente do trabalho, de acordo com a legislação citada e com nexo causal com o trabalho. A doença Covid 19 CID B 34-2 é uma doença transmissível causada pelo vírus SARS-CoV-2. O 1º caso no Brasil ocorreu em 26/02/2020, com rápida transmissão geral. O coronavírus pode ser transmitido de pessoa a pessoa por gotículas respiratórias, por meio de tosse ou espirro, pelo toque ou aperto de mão ou pelo contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido então de contato com a boca, nariz ou olhos. A empresa é de grande porte, com o reclamante trabalhando em contato com outros funcionários, no mesmo ambiente. A empresa não comprovou medidas efetivas de prevenção, como o fornecimento de máscara específica tipo PFF2, rodízio em home office, medidas de isolamento do setor, rotinas de limpeza. Podemos concluir que havia risco de transmissão no local de trabalho, podendo ser considerada neste caso como DOENÇA DO TRABALHO’ (grifos não pertencem ao original). Nesse compasso, o laudo deixou certo que a narrativa das atividades realizadas são suficientes para reconhecer o nexo de causalidade, vale repisar, de forma DIRETA com a patologia (infecção por coronavírus) do reclamante, e, portanto, corroborando a tese da petição inicial...”.
Os CORREIOS sequer impugnaram o laudo pericial, e isso foi destacado na fundamentação da sentença: “...Cabe observar ainda que, a reclamada NÃO impugnou e/ou tampouco apresentou quaisquer irregularidades ao laudo pericial, pelo que prevalecendo as conclusões do perito judicial. Ante o exposto acolho o laudo e integro sua fundamentação à presente decisão e eis que INCONTROVERSO o afastamento com a percepção do auxílio-doença, procede o pedido para declarar como doença do trabalho (infecção por coronavírus) o período de afastamento do reclamante de 21/04/2020 a 16/07/2020...”.
Como consequência, o brilhante Juiz determinou a lavratura da competente Comunicação de Acidente de Trabalho como consequência do contágio nas condições acima: “...Com isso, ante o reconhecimento da doença do trabalho, condeno a reclamada na emissão e fornecimento da Comunicação de Acidentes do Trabalho, com apontamento da doença (infecção por coronavírus) adquirida pelo reclamante pelas atribuições exercidas, nos termos do artigo 169 da CLT e ainda artigo 22 da Lei 8.213/1991, no prazo de 05 (cinco) dias do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), em favor do reclamante, a contar após o prazo fixado e limitada a 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 497, 498 e 536, §1º do CPC c/c artigo 769 da CLT...”.
Já sobre a indenização por danos morais, o ilustre Juiz do Trabalho arbitra valor de condenação compatível com o contexto: “...É dentro desses limites, considerando o dano sofrido, a culpa do ofensor e também do ofendido, a extensão dos danos, a capacidade contributiva da reclamada e a necessidade de se impor ao ofensor uma pena para que passe a evitar situações como as dos autos e, ainda, as condições econômicas do ofensor e do ofendido, que fixo o dano moral em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais)...”.
Por fim, o sábio Dr. Marco Antonio reconhece as irregularidades praticadas pelos CORREIOS, e determina a expedição de ofícios para que as Autoridades Competentes realizem as apurações cabíveis: “...Em face das irregularidades verificadas expeçam-se os ofícios aos órgãos competentes com cópias das principais peças (inclusive do laudo pericial e da sentença) para as providências cabíveis. Ademais, em cumprimento ao ofício circular TST.GP nº 157/2014, encaminhe-se também cópia desta sentença à unidade da Procuradoria Geral Federal pelos e.mails prf3.regressiva@agu.gov.br, com cópia para regressivas@tst.jus.br...”.
Cabe recurso dessa decisão.
Saiba mais aqui.
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