
“Com isso, a contagem não se inicia da data de ocorrência do primeiro sintoma e/ou primeiro afastamento do trabalho, mas, sim, da alta do INSS, quando o trabalhador, efetivamente, teve ciência inequívoca da extensão dos danos e lesões ocorridos com o acidente de trabalho, ou seja, quando constatada a incapacidade parcial e permanente, ou seja, pelo encerramento do auxílio-doença em 15/04/2019. Noutras palavras, tem-se como marco inicial do prazo prescricional o momento em que se revela a lesão de um direito e a possibilidade de postular sua reparação, de acordo com o princípio da actio nata e, ademais, por se tratar de acidente de trabalho típico, o direito de ação surge no momento em que o reclamante teve ciência inequívoca da consolidação dos efeitos da lesão gerada pelo acidente...”. Com esse entendimento, o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do Trabalho da 27ª Vara do Trabalho do Fórum da Barra Funda – São Paulo/SP (Marco Antonio dos Santos) julgou procedentes os pedidos formulados por um Agente de Correios. Como consequência de acidentes de trabalho que forçaram intervenções cirúrgicas, esse empregado ficou afastado do trabalho no período entre 27 de junho de 2012 e 15 de abril de 2019. No retorno às atividades normais, o médico do trabalho da Empregadora (CORREIOS) lhe prescreveu severas restrições médicas, ratificando a perda parcial, mas definitiva, da capacidade de trabalho.
Dentro dessa lógica, o brilhante Julgador menciona inicialmente, na sentença, sobre as teses do empregado e da Empregadora: “...a petição inicial postula tão somente (...) o pagamento de indenização por danos morais decorrentes de acidente do trabalho, ou seja, pela doença do trabalho adquirida pela prestação dos serviços e favor da reclamada. A reclamada, por sua vez, refuta o pedido, sob o argumento de que não há nexo de causalidade e, ainda, não há demonstração de incapacidade...”.
No curso do processo, o Magistrado de notável saber jurídico determinou a realização de perícia médica. E sobre esse ato processual, teceu as seguintes considerações: “...nesse compasso, este Juízo submeteu a apreciação da controvérsia ao expert judicial nomeado, para que este se manifestasse acerca da patologia alegada (doença do trabalho) e as respectivas consequências (dano/incapacidade). O laudo pericial concluiu que o quadro (patologia/doença) apresentado pelo reclamante foi causado no exercício das atribuições em favor reclamada, ou seja, caracterizando o nexo de causalidade DIRETO entre a doença e o trabalho, nos termos do artigo 20, inciso II, da Lei 8.213/1991. Observe-se que, o laudo pericial reconheceu o nexo de causalidade observando os documentos apresentados devidamente alinhados com a descrição das atividades laborais, prevalecendo a tese da inicial. Nesse compasso, o laudo deixou certo que a narrativa das atividades realizadas são suficientes para reconhecer o nexo de causalidade com as patologias do reclamante, e, portanto, corroborando a tese da petição inicial. O magistrado serve-se do perito para fundamentar sua decisões em temas técnicos que refogem a esfera jurídica. Nesse contexto, o expert é um longa manus do Juízo, sendo profissional tecnicamente apto ao exercício do mister e no presente caso não há dado ou informação que comprometa sua fundamentação e conclusão....”.
Não escapou do prudente arbítrio do ilustre Juiz do Trabalho que os CORREIOS não impugnaram o laudo pericial juntado aos autos, e que comprovou que a narrativa do empregado era verdadeira: “...cabe observar ainda que, a reclamada NÃO impugnou e/ou tampouco apresentou quaisquer irregularidades ao laudo pericial, pelo que prevalecendo as conclusões do perito judicial. Ante o exposto acolho o laudo e integro sua fundamentação à presente decisão...”.
Devemos ainda ressaltar que o notável Magistrado evidenciou que a culpa da Empregadora (pelas lesões que os acidentes do trabalho causaram no empregado que ganhou a ação) também foi levada em consideração para que o processo fosse julgado procedente: “...quanto à existência de culpa e/ou dolo da reclamada, esta também restou comprovada, tendo em vista que o reclamante tornou-se portador de lesões parciais e permanentes na coluna lombar decorrentes da prestação de serviços para a reclamada, conforme restou demonstrado pelo laudo pericial, bem como pelas provas documentais colacionadas aos autos, inclusive com a necessidade de tratamento médico por anos pelo reclamante, e ainda com redução (parcial e permanente) de 75% (setenta e cinco) por cento de sua capacidade laboral de acordo com tabela da SUSEP. Cabe observar ainda que, a reclamada apenas apresentou programas obrigatórios de saúde, entretanto, estes se mostraram insuficientes para a prevenção da doença do trabalho do reclamante, motivo pelo qual, entendo suficientemente provada a conduta ilícita da reclamada. Anda que assim não fosse, a reclamada ainda adotou a postura figura dolo eventual (dane-se), vale dizer assumiu os riscos de produzir o resultado pela inobservância de normas legais protetivas da higidez física e mental do trabalhador. Ressalta-se que, não bastaria a mera implantação de programas de prevenção pela reclamada, eis que necessário a sua fiscalização, inclusive penalização os empregados que descumprirem suas normas, prestigiando, assim, a saúde do trabalhador na forma do artigo 157, I da CLT, medidas estas obrigatórias antes do adoecimento do trabalhador. Consoante o artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal, é direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. E os artigos 1º incisos III IV, 170, inciso III, 193, todos da Constituição Federal do Brasil / 1988, erigem a patamar de princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a função social da propriedade e o primado do trabalho, este último como fundamento da ordem social. Toda atividade econômica, corre riscos inerentes a mesma, assim a responsabilização pelos efeitos do risco a que se submete, juntamente com seus empregados, que são prepostos e cruciais para o desenvolvimento de sua atividade, deve ser suportada integralmente pela mesma, vale dizer, quer o bônus (lucros) assuma o ônus (riscos)...”.
E ele prossegue: “...O trabalhador é peça essencial da reclamada, mas não nos moldes de máquinas e computadores que ao apresentarem defeitos são simplesmente trocados ou descartados, mas peças fundamentais no sentido lato, recebendo a proteção da Lei Maior quanto à preservação da dignidade da pessoa humana e sua inviolabilidade. O trabalho possui um caráter social também prestigiado pela Lei Fundamental, posto que permite a distribuição de rendas e sociabilização dos indivíduos, pois do contrário retroagiríamos aos tempos da revolução industrial nos seus primórdios, onde havia a obtenção de lucro a qualquer custo, inclusive mediante a precariedade da saúde do trabalhador... É o que ocorreu no caso em tela, pois consoante exaustivamente explanado a reclamada agiu com culpa ao não realizar a devida reabilitação profissional e/ou alteração das atribuições do reclamante, além de negligenciar a efetivação e/ou fiscalização das normas para prevenção de doenças ocupacionais (artigo 157, I da CLT), e com dolo eventual, eis que assumiu os riscos de produzir o resultado pela inobservância de normas protetivas na execução do trabalho, portanto nos termos do artigo 927 do Código Civil de 2002, deverá reparar o dano...”.
Todos os fundamentos acima, conjugados, levaram à seguinte condenação: “...é dentro desses limites, considerando o dano sofrido, a culpa do ofensor e também do ofendido, a extensão dos danos, a capacidade contributiva da reclamada e a necessidade de se impor ao ofensor uma pena para que passe a evitar situações como as dos autos e, ainda, as condições econômicas do ofensor e do ofendido, que fixo o dano moral em R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais)...”.
A Empregadora ainda pode recorrer dessa decisão.
Saiba mais aqui.
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