
“Por amor à justiça e sensibilidade às questões muitas vezes dramáticas que envolvem as causas trabalhistas, nossa opinião tem sido discordante da opinião majoritária da jurisprudência trabalhista em diversos temas, inclusive no presente, máxime quando a jurisprudência não preza por uma interpretação com sólido suporte no princípio da dignidade humana. Vejamos mais a fundo essa questão dos 'assaltos' e como a ortodoxia jurídica, aplicada sem a devida reflexão, pode 'furtar' mais um direito ao trabalhador que sofre pelos infortúnios dos assaltos...”. Partindo dessa premissa, o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do Trabalho Laércio Lopes da Silva (Titular da 5ª Vara do Trabalho de Barueri/SP) julgou procedente o pedido indenizatório formulado por um Carteiro contra os CORREIOS. Lotado na unidade da Empregadora de nome CEE Barueri, o Empregado foi vítima de 63 (sessenta e três) assaltos; alguns deles inclusive foram sofridos mesmo após a propositura da reclamação trabalhista, sem que a Empregadora adotasse qualquer providência para retirá-lo da atividade de entrega postal em área de risco.
O ilustre Julgador inicia a fundamentação da sentença destacando as teses das partes: “...postula o reclamante o pagamento de danos morais, porquanto foi vítima de 53 assaltos durante sua jornada de trabalho, no exercício da sua função de entregador de objeto postais diversos. Sustenta a reclamada que a doutrina e jurisprudência já assentaram que o caso fortuito e força maior excluem ou eximem a responsabilidade imposta, visto que tais institutos não podem aventar qualquer responsabilidade. Neste compasso, é forçoso convir que esta não pode ser penalizada por falha na segurança pública, visto que em nada contribuiu para a ocorrência dos fatos delituosos, sendo certo que a reclamada também foi vítima nesses assaltos...”.
Sobre a tese de defesa da Empregadora, o Magistrado de notável saber jurídico é contundente ao negá-la: “...não pode o empregador alegar que a responsabilidade pela segurança pública é tão-somente do Estado e que, por isso, os assaltos jamais poderiam ser elementos que ensejassem o deferimento de indenização por dano moral. Por se constituir em elemento externo, uma falta do serviço do Estado somente pode ser invocada pelo empregador perante o próprio Estado. Nunca dará azo, portanto, a mudanças nas condições do contrato de trabalho, atuando como se fora um fato do príncipe capaz de relativizar o sinalágma e a comutatividade do contrato de trabalho, violando, por consequência, o disposto no art. 468, da CLT...”.
E o brilhante Juiz traz para a sentença a dura – e perigosa – realidade do dia-a-dia do trabalho do Empregado: “...no caso dos autos, a atividade do autor de Distribuição e Coleta/ Carteiro, por sua natureza, implica um risco médio para situações de assalto. Isso porque está transportando objetos de valor em vias públicas. Registre-se que os boletins de ocorrência juntados pelo autor comprovam a existência dos 53 assaltos sofridos. Ademais, a própria reclamada não contesta a existência destes. A absurda quantidade de assaltos sofridos pelo autor, bem como o fato da reclamada não ter apresentado qualquer medida para fornecer maior segurança ao autor, mesmo após a reiteração destes dia após dia, violou profundamente os direitos de personalidade do autor. Apesar de o laudo pericial não ter constatado nenhum dano permanente à saúde do autor, o dano nas referidas condições caracteriza-se in re ipsa. Ademais, salta aos olhos a enorme quantidade de assaltos sofridos pelo trabalhador, o que demonstra completamente que a atividade do autor era de risco – art. 927, parágrafo único, CC...”.
Deve ser novamente destacado que, mesmo após sua citação, os CORREIOS mantiveram o Empregado realizando entregas postais na mesma (perigosa) região. O resultado? O Carteiro foi vítima de novos assaltos no curso da reclamação trabalhista, o que evidencia a postura negligente da Empregadora.
Diante desse quadro, a decisão do Excelentíssimo Juiz Titular da 5ª Vara do Trabalho de Barueri/SP não poderia ser outra: “...por todo o exposto, acolho a pretensão do reclamante e lhe defiro o pedido no importe de R$ 80.000,00, por entender como justo e razoável para o caso 'sub judice', tendo eficácia punitiva para o ofensor e servindo de limite para possível reincidência, sem ocasionar lucro fácil para o ofendido e empobrecimento demasiado para o ofensor...”.
Cabe recurso dessa decisão.
Saiba mais aqui.
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