
Conforme já dissemos aqui, a 5ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP havia proferido sentença judicial favorável num processo que tinha o seguinte contexto: “...esse empregado fazia parte de um grupo composto por aproximadamente 80 (oitenta) colegas de setor. Em virtude de uma conjunção de fatores que ameaçavam a sua saúde face o iminente de contágio por covid-19 no início da pandemia, todos eles se ausentaram do trabalho em conformidade com o protocolo sanitário previsto pela própria empregadora, e durante o período em que havia uma liminar deferida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Essa decisão judicial determinava que a empregadora cumprisse os protocolos sanitários para evitar a propagação da covid-19 por ela mesma previstos e ostensivamente divulgados. Mas que não eram aplicados, na prática...”. Nesse processo, a sentença julgou procedentes os pedidos formulados pelo Agente de Correios que propôs a ação em face dos CORREIOS.
Recentemente, um outro Agente de Correios que se viu submetido à mesma situação propôs um processo contra o mesmo empregador, Esse feito tramitou perante a 18ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP, e o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do Trabalho João Forte Júnior adotou entendimento semelhante: julgou procedentes os pedidos nos termos abaixo destacados.
Inicialmente, o ilustre Magistrado demonstra ter se atentado ao relato do empregado, e também às alegações contidas na defesa da empregadora: “...o reclamante assevera ter faltado ao trabalho no período de 01/06/2020 a 15/06/2020 por força de decisão liminar, razão pela qual não poderia ter sofrido quaisquer descontos. A reclamada, por sua vez, alega não ter descumprido a liminar (...), tanto que não sofreu qualquer multa no particular. Acrescenta a reclamada que a liminar foi deferida parcialmente, somente contemplando os empregados ‘que tiveram contato ou trabalhassem próximos ao funcionário (...), situação que não ocorreu com o reclamante que laborava mais de 36 metros de distância de onde trabalhava o funcionário.’ A liminar, citada pela reclamada, dispôs que: ‘Mantenho a concessão parcial da liminar porque específica quanto à suspensão das atividades presenciais na unidade de trabalho, portanto, no setor onde prestava serviços o empregado afetado pela COVID-19. A liminar deve ser cumprida em seus restritos termos, sob pena de desobediência’. A reclamada assevera que essa liminar, nesses exatos termos, esclareceu e especificou a liminar anterior, justamente porque não seria possível manter fechada toda a unidade Jaguaré, fato que paralisaria grande parte do serviço postal da cidade de São Paulo. Reforça a reclamada que a Desembargadora Dra. Rosa Maria Villa especificou que ‘somente os empregados que trabalhassem no mesmo setor’ do empregado (...) foram contemplados com a decisão liminar..."
A partir desse ponto, o brilhante Julgador passa a fundamentar as razões que o convenceram de que os pedidos deveriam ser julgados procedentes. E o fato de que, no local de trabalho do empregado, os conceitos de “unidade” e “setor” se confundem, foi determinante para o conteúdo da sentença: “...como já mencionado, o cerne da questão é se o reclamante estaria ou não abrangido pela decisão liminar supracitada. (...) Entendo que os termos da liminar devem ser observados à risca, já que essa decisão é que serviria para justificar as faltas do reclamante. (...) Na decisão foi concedida a suspensão das atividades presenciais dos empregados do ‘SETOR’ onde prestava serviços o empregado contaminado pela COVID-19. A palavra ‘setor’ sugere uma subdivisão específica de desenvolvimento dos trabalhos realizada na reclamada, equivalente a uma ‘seção’. Considerando que a questão que motivou o ajuizamento da ação coletiva se refere à contaminação do coronavírus no ambiente de trabalho, entendo que a palavra ‘setor’, utilizada na liminar, representa uma área específica, ou seja, delimitada dentro de determinado espaço, e não baseada, por exemplo, em determinado ramo de atividade, situação que causaria distorções na delimitação dos setores...”. (GRIFOS NOSSOS)
Nesse ponto da sentença, o Juiz de notável saber jurídico deixa evidente que tem a plena noção de que, no local de trabalho do empregado, os conceitos de unidade e setor – referidos na liminar em questão – se confundem: “...a questão é que, às vezes, o empregado pode trabalhar mais próximo de empregados de outro setor do que empregados de sua própria seção. Sendo assim, entendo que a palavra ‘setor’ deve ser entendida no presente caso como o espaço em que (...) trabalhava, sendo essa área delimitada por paredes, ou seja, não importa a distância que o reclamante mantinha do local em que (...) trabalhava, sendo relevante apenas saber se trabalhavam ‘dentro do mesmo espaço físico’, utilizando-se, portanto, o critério puramente ‘geográfico’. Essa delimitação por paredes reduziria drasticamente a possibilidade de contaminação já que haveria barreira física que separaria o reclamante e o empregado...”.
E as provas trazidas aos autos pelo empregado são contundentes nesse sentido, sendo suficientes para convencer o Doutor João Forte Júnior de que o empregado não tinha outra opção, senão se ausentar do trabalho no período em que a empregadora deveria ter cumprido a liminar já referida: “...o reclamante juntou aos autos Auto de Inspeção Judicial (...) realizado no CTC localizado na unidade da reclamada do Jaguaré, mesmo local em que o reclamante trabalha, sendo constatado que: ‘Não há separação física ou sequer visual, com demarcação no chão, entre setores conforme croqui apresentado pela reclamada nos autos. Além disso, os empregados e sobretudo os terceirizados, se movimentam por todo o local de trabalho, sem qualquer regra de separação entre setores’. No laudo pericial relativo ao processo, a perita constatou que: ‘Na área interna do setor não há qualquer barreira física que impeça a contaminação por gotículas, sinalização de piso ou placas de advertência que oriente os funcionários quanto ao distanciamento social (...) As distâncias entre os setores são demarcadas por esta linha azul, sendo que, não há barreiras físicas entre os setores e (...).’ Depreende-se, portanto, que não havia barreira física entre os locais de trabalho do reclamante e de (...), razão pela qual entendo que eles trabalhavam no mesmo ‘setor’, utilizando-se, repito, o critério ‘geográfico’...”. (GRIFOS NOSSOS)
Essa premissa torna evidente ao ilustre Magistrado que, naquele local de trabalho, o risco de contágio era iminente: “...como já exposto, as atividades desenvolvidas por ambos são irrelevantes, já que o fundamental é aferir se eles trabalhavam na mesma área, delimitada por paredes. Ressalto que não faria sentido restringir o alcance da liminar somente aos que trabalhavam muito próximos ao empregado (...), já que sequer foi utilizado na liminar o critério de distância. Entendo que o conceito de ‘setor’ baseado em uma área delimitada por paredes atende a liminar que teve por escopo evitar que mais pessoas fossem contaminadas, pois a distância de 36 metros sem barreira física pode ser facilmente vencida pelo coronavírus que poderia contaminar todos ao redor de (...) até que o vírus chegasse ao reclamante...”.
Diante dessa fundamentação, o resultado não poderia ser diferente: “...portanto, o critério utilizado, ao meu ver, respeita a decisão liminar, sendo sensível à altíssima transmissibilidade do coronavírus, notadamente à época dos fatos. Consequentemente, reconheço que a decisão liminar em questão contemplou o reclamante, razão pela qual condeno a reclamada à devolução dos descontos realizados indicados pelo reclamante. Desse modo, determino que a reclamada arquive o processo administrativo disciplinar para apurar a conduta do reclamante quanto às faltas do período de 01/06/2020 a 15/06/2020, considerando a regularidade delas...”.
A empresa ainda pode recorrer da decisão.
Saiba mais aqui.
Corrêa, Rocha & Valente – Direito de ecetista para ecetista.
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