
Ainda que a odiosa Reforma Trabalhista tenha suprimido a possibilidade da incorporação da função de confiança exercida por mais de 10 (dez) anos, a v. Súmula nº 372 do C. Tribunal Superior do Trabalho continua regendo o direito adquirido antes de 17 de novembro de 2017. Essa súmula prevê que “percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderia retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira” .
Aplicando esse entendimento, a 4ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e Baixada Santista) ratificou a condenação dos CORREIOS a incorporarem a função gratificada/de confiança exercida por uma empregada no período entre 2 de abril de 2007 e 10 de outubro de 2019.
O voto vencedor – proferido pela sábia Desembargadora-Relatora Lycanthia Carolina Ramage - inicia-se destacando que o exercício da função gratificada/de confiança por mais de 10 (dez) anos (completados antes da Reforma Trabalhista) foi alegado pela empregada, e não contestado pela empregadora: “Incontroverso nos autos o labor da reclamante em funções de confiança ao longo de 12 (doze) anos, com percepção de gratificação de função. Observa-se da análise da ficha funcional carreada aos autos (id. 8dc4f1e - Pág. 2), que a autora pelo menos desde 02/04/2007, exerceu diversas funções comissionadas de forma ininterrupta, percebendo o correspondente adicional, tendo sido descomissionada em 10/10/2019...”
Ainda que a destituição da função de confiança seja uma prerrogativa da empregadora, essa prática não pode, após 10 (dez) anos de efetivo exercício, implicar em redução patrimonial da empregada. É o que nos ensina a brilhante Magistrada: “... nos termos do art. 468 da CLT, a perda da função de confiança não caracteriza alteração lesiva ao contrato de trabalho, sendo certo que a destituição da reclamante da função de 'Gerente de Centro de Distribuição' não é ilegal. Entretanto, apesar do poder diretivo da reclamada para dispor das funções de confiança, não se admite a supressão ou mesmo a redução da gratificação recebida pelo empregado por período igual ou superior a dez anos. Isto porquê o art. 7º, inciso VI da Constituição Federal expressamente dispõe sobre a proibição da redução salarial, com vistas à proteção do trabalhador. Portanto, embora permaneça o empregador com o poder de destituir o empregado da função de confiança que vinha exercendo, fica vedada a desestabilização de sua vida financeira, que contava, por longo tempo, com aquela parcela em sua remuneração....”
Sobre a inaplicabilidade da Reforma Trabalhista aos direitos adquiridos antes de 17 de novembro de 2017, a nobre Desembargadora Relatora adota postura que prestigia a garantia constitucional da segurança jurídica, insculpida no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal: “... no caso em tela são inaplicáveis as inovações introduzidas pela Lei nº 13.467/2017, ante o princípio da irretroatividade, visto que a relação jurídica objeto da presente demanda consolidou-se em período anterior à sua vigência, qual seja, a reclamante já tinha mais de dez anos de exercício de função de confiança e percepção da gratificação de função antes da entrada em vigor da Reforma Trabalhista, não sendo alcançada pela alteração promovida no parágrafo 2º do artigo 468 da CLT...”
E a Julgadora de notável saber jurídico prossegue, nos lembrando de que a decisão da empregadora que retirou a gratificação de função da empregada viola outras garantias além da segurança jurídica: “... dessa forma, em observância ao princípio da irredutibilidade salarial, a função social da empresa, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, conforme previsto nos artigos 1º, incisos III e IV, 7º, inciso VI e 170, da Constituição Federal, resta clara a impossibilidade de exclusão da citada verba da remuneração do empregado, em virtude da destituição da função gratificada, após a sua percepção por mais de 10 anos...”
Em sua tese recursal, a empregadora sustentou haver “justo motivo” para proceder à retirada da função gratificada/de confiança. Mas a nobre Julgadora destaca que, ao contrário dessas alegações, a vida funcional pregressa da empregada revelou um currículo de destaque, reconhecido pela própria empregadora: “... da análise do processo administrativo (...), observa-se as considerações feitas pela própria reclamada sobre os antecedentes funcionais da autora, destacando que ‘7.1.1. Desempenho qualificado em avaliações do CGR, desde seu ingresso nos Correios; 7.1.2. Registro de agradecimento no assentamento funcional (..), noticiando sua demonstração de dedicação ao trabalho, durante período de paralisação decorrente de greve. 7.2. Não constam maus antecedentes na Ficha Funcional’, bem como a imposição de sanção disciplinar administrativa compatível com a falta funcional cometida de suspensão de 01 dia. Assim sendo, de acordo com a prova produzida nos autos, não resta configurado o justo motivo alegado pela recorrente, sendo que o ato faltoso atribuído à autora não possui gravidade suficiente para caracterizar o justo motivo de que cogita a Súmula. Dessa forma, em observância ao princípio da estabilidade financeira e da irredutibilidade salarial, resta clara a impossibilidade de afastar a incorporação da gratificação de função suprimida...” (GRIFOS NOSSOS)
Após essa sucessão de fundamentos favoráveis à manutenção da r. sentença proferida pelo notável Dr. José de Barros Vieira Neto (juiz titular da 14ª Vara do Trabalho da Zona Sul – São Paulo/SP), a conclusão do voto vencedor (de forma unânime) não poderia ser outra: “.. assim, escorreita a decisão primígena quanto à incorporação da função gratificada à remuneração da autora. Mantenho.” (GRIFOS NOSSOS)
Além da Excelentíssima Senhora Doutora Desembargadora Relatora já nominada, também participaram do julgamento os não menos ilustres e eminentes Magistrados do Trabalho Ricardo Artur Costa e Trigueiros (brilhante Desembargador Revisor, que também presidiu a solene seção de julgamento), Ivani Contini Bramante (sábia Desembargadora e Terceira Votante), bem como o DD. Representante do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e Baixada Santista).
Cabe recurso dessa decisão.
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Corrêa, Rocha e Valente Advogados Associados – Direito de ecetista para ecetista.
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