
Ainda que a segurada deixe de pagar 1 (uma) parcela mensal (chamada de prêmio), a seguradora não pode negar cobertura a seguro de vida se (i) continuar a receber posteriormente os valores regularmente, e (ii) não notificar a segurada, para que pague o prêmio em aberto. Com esse entendimento, a 1ª Vara Cível da Comarca de Caieiras/SP condenou a TOKYO MARINE a pagar o valor devido pelo seguro de vida contratado por uma Operadora de Triagem e Transbordo em meados de 1988, além de danos morais.
A controvérsia teve origem quando a Operadora de Triagem e Transbordo sofreu um acidente do trabalho. Durante o único mês de afastamento previdenciário, a seguradora não recebeu os valores à ela devidos, a título de prêmio; e, infelizmente, nesse mesmo período, o esposo da Operadora de Triagem e Transbordo veio a falecer. Ela postulou então a cobertura junto da seguradora, que negou, por considerar o contrato de seguro de vida extinto por falta de pagamento.
O notável juiz Peter Eckschmiedt destaca, logo de início, o entendimento aplicável ao caso: “o Colendo STJ já firmou que ‘Nos termos dos precedentes desta Corte, considera-se abusiva a cláusula contratual que prevê o cancelamento ou a extinção do contrato de seguro em razão do inadimplemento do prêmio, sem a prévia constituição em mora do segurado, mediante prévia notificação.’ (AgRg no AREsp 292544/SP - 4ª Turma - rel. Ministro Raul Araújo - J. 23.04.2013).”
No caso em questão – e ainda que a Operadora de Triagem e Transbordo não tivesse efetivamente pago o prêmio referente ao mês em que, coincidentemente, seu esposo faleceu -, a seguradora não poderia ter considerado o contrato extinto, e negado cobertura. Isso somente poderia ocorrer após a segurada ser notificada para pagar o prêmio em aberto, e ainda assim permanecesse inerte; mas, como a seguradora não procedeu dessa forma, o contrato de seguro de vida seguiu produzindo todos os seus regulares efeitos: “assim, o contrato estava vigente quando do óbito do marido da beneficiária. Nesse sentido: O cancelamento da apólice de seguro, ou mesmo a suspensão de seus efeitos, em virtude de falta de pagamento de parcelas do prêmio deve sempre ser precedida da constituição em mora do segurado, mediante interpelação. Ilegalidade do cancelamento efetuado sem a notificação prévia do segurado.’ (Apelação n. 9000222-20.2011.8.26.0100, Rel. Cesar Lacerda, j. em 15/12/2015).”
Não pode ser ignorado ainda que, após o curto afastamento previdenciário como consequência do acidente de trabalho, a Operadora de Triagem e Transbordo retornou às suas atividades regularmente. E os valores mensais, relativos aos prêmios devidos à seguradora (que negou cobertura por considerar o contrato extinto) seguiram sendo descontados na folha de pagamento da segurada como se nada tivesse acontecido.
Todo o calvário vivido pela Operadora de Triagem e Transbordo - como consequência da negativa de cobertura pela seguradora - não foi ignorado pelo brilhante Magistrado: “a pretensão de danos morais deve ser acolhida, eis que a recusa em pagar a indenização, obrigando a autora a ajuizar ação de cobrança, ultrapassou a esfera do mero aborrecimento, devendo ser reparado tal sofrimento. Atendendo a tais parâmetros, fixo a indenização em R$ 10.000,00, com correção desde esta data e juros desde a citação”. Ou seja: além de ser obrigada a pagar o valor equivalente à cobertura que negou administrativamente, a seguradora ainda foi condenada a pagar à Operadora de Triagem e Transbordo uma indenização por danos morais, como consequência dessa sucessão de eventos.
A seguradora não recorreu da decisão.
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