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Sem protocolos, TRT confirma danos morais e pensão para herdeiros de empregado morto por covid-19

Foto do escritor: Antônio Valente Jr.Antônio Valente Jr.



Já noticiamos aqui, aqui e aqui que a Justiça do Trabalho vem condenando os empregadores que mantiveram seus empregados trabalhando presencialmente durante as fases mais agudas da pandemia, sem adotar protocolos sanitários eficazes para conter o contágio por covid-19. Dessa vez, a Colenda 7ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e Litoral do Estado) manteve a sentença proferida pela 53ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP. Os eméritos Magistrados de Segunda Instância reconheceram – de forma unânime – o acerto da decisão da origem, que reconheceu que um dos empregados dos CORREIOS trabalhou numa unidade em que não foi comprovada a adoção/existência de protocolos sanitários eficazes/efetivos. Esse empregado acabou contraindo a doença e, infelizmente veio a falecer, deixando a companheira desempregada e 2 (dois) filhos pequenos, que propuseram a competente reclamação trabalhista.


A Excelentíssima Senhora Desembargadora-Relatora Sonia Maria de Barros inicia o seu voto vencedor delineando o contexto pandêmico, e o seu enquadramento jurídico na esfera trabalhista: “...a doença causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2) possuiu natureza pandêmica, mais ampla que a endêmica, tendo em vista seu enorme poder de disseminação, mesmo com a adoção de práticas objetivando a redução do contágio, pois se trata de organismo invisível, presente em alimentos, superfícies e, principalmente, em partículas suspensas no ar. Tais circunstâncias dificultam sobremaneira identificar o exato momento do contágio, somente restando provado o nexo de causalidade mediante demonstração inequívoca de que este decorreu das atividades exercidas em razão do contrato de trabalho. A demonstração é circunstancial e deve ser realizada por critérios de probabilidade, partindo-se da premissa estabelecida no art. 225, 'caput' e inciso V da Constituição Federal. É dever de todos a preservação do meio ambiente equilibrado e sadio, cabendo ao Poder Público controlar o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o próprio meio ambiente. Trata-se de garantia fundamental de terceira geração, ou seja, obrigação positiva e solidária do Estado e das pessoas físicas e jurídicas para com o próximo e para com o futuro da própria espécie humana...”.


E a Magistrada de escol prossegue: “...regulamentando a referida garantia, a Lei nº 8.213/1991 prevê expressamente que a empresa é responsável pela adoção e efetivação de medidas coletivas e individuais de proteção e preservação da saúde de seus trabalhadores (art. 19, §1º), atribuindo-lhe responsabilidade objetiva e concreta de adotar todas as medidas disponíveis para garantir a respectiva higidez, empregados ou não. O art. 20, § 2º da Lei nº 8.213/1991 disciplina que mesmo em casos excepcionais, se for constatado que uma doença não prevista pelo órgão competente (MTE) como relacionada ao trabalho tenha resultado das condições especiais em que o labor foi executado e com ele se relacione diretamente, a Previdência Social deve considerá-la como acidente típico do trabalho. Ainda, o art. 21, inciso III da Lei de Benefícios da Previdência equipara ao acidente de trabalho a doença decorrente de contaminação acidental no exercício das atividades...”.


Ponto crucial do voto da eminente Desembargadora-Relatora é a constatação de que os CORREIOS não comprovaram a adoção de qualquer protocolo eficaz para conter a proliferação da covid-19 no local de trabalho do “de cujus”: “...no caso concreto, algumas peculiaridades devem ser notadas e destacadas para aferição da probabilidade de contaminação do ‘de cujus’ no exercício das funções. Vejamos. Primeiro, a reclamada não comprovou, nem minimamente, a efetiva adoção e divulgação de protocolos de segurança eficazes na prevenção do contágio pelo coronavírus causador da pandemia, pois não produziu provas acerca da efetivação das medidas mencionadas nos documentos. Sequer ouviu testemunhas em audiência...”.


Em contrapartida, a robusta atividade probatória desenvolvida pelos herdeiros do empregado falecido foi determinante para o convencimento da ilustre Magistrada de Segunda Instância: “...por outro lado, a prova emprestada produzida pelos autores - ata de audiência, sentença e acórdão do processo nº (...) revela que, de fato, não foram adotadas as mais elementares medidas para garantia da higidez dos trabalhadores. A testemunha ouvida naqueles autos declarou enfaticamente que nas dependências da empresa nunca foi feita medição de temperatura dos empregados e prestadores de serviços alocados nas respectivas unidades; os funcionários infectados iam trabalhar e transmitiam a doença; muitas vezes os sintomas se manifestam somente quando a infecção já está em estágio avançado e a maioria não sabia que estava infectada. O depoente confirmou que os equipamentos no setor de triagem são compartilhados, citando os equipamentos hidráulicos de elevação de cargas, carrinhos, caixetas, maquinários, inclusive computadores, e que não era feita limpeza ou desinfecção regularmente...”.


E a notável Julgadora prossegue, referindo-se à outras provas também trazidas aos autos pelos herdeiros do empregado que, infelizmente, faleceu de covid-19: “...os autores anexaram também a ata da audiência realizada nos autos de nº (...), em que a única testemunha ouvida, e que laborou no mesmo local do ‘de cujus’ (CTCE Vila Maria), revelou que desde o início da pandemia até meados de 2021 não havia álcool em gel nem distanciamento, explicando que somente nos idos de setembro de 2021 a reclamada começou a efetivamente adotar medidas como o fornecimento de álcool em gel, mas que os trabalhadores continuam compartilhando materiais e equipamentos não desinfectados/higienizados. Assevera a testemunha que ‘desde o início da pandemia não houve orientação e nem organização para o distanciamento entre os funcionários’, destacando que não havia fiscalização do uso de máscaras e que somente a partir de meados de 2021 a ré passou a colocar cartazes com orientações sobre a pandemia. Patente que todos compartilhavam equipamentos de trabalho, área operacional, vestiários e refeitório...”.


A nobre Jurisconsulta de Segunda Instância não descuidou de colocar em xeque os argumentos que a Empregadora utilizou em sua tese recursal: “...não obstante a alegação de que no local de prestação de serviços do ‘de cujus’ havia apenas 38 (trinta e oito) trabalhadores, os documentos demonstram que havia no local 773 (setecentos e setenta e três) postos de trabalho, com apenas 3 (três) empregadas em trabalho remoto. E apesar de invocar a média de 5 (cinco) casos por mês, não trouxe a interessada qualquer documento a corroborar as estatísticas apresentadas. Embora os protocolos recomendados pelo Governo Estadual incluíssem a higienização diária dos ambientes em que realizado o trabalho presencial, o emprego de barreiras físicas e uso de EPI, distanciamento e redução da circulação, dentre outras medidas (https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/protocolo-intersetorial-v-09.pdf), os documentos e fotos revelam que a empregadora não cumpriu os protocolos, destacando-se:

1. As péssimas condições do ambiente laboral; Compartilhamento de postos, sem qualquer distanciamento (vide a existência de dois computadores nas mesmas mesas);

2. Ausência de barreiras físicas entre os postos;

3. Ausência de higienização diária dos ambientes de trabalho, pois dos documentos autuados verifica-se solicitações de limpeza apenas nas seguintes datas: 21 de janeiro de 2021; 11 e 17 de março de 2021; 21 de junho de 2021; 21 e 22 de julho de 2021; 06 de agosto 2021; 01 e 02 de setembro 2021.


E mais: a brilhante Desembargadora-Relatora expõe que a Empregadora, na realidade, produziu provas contrárias às suas alegações, e que confirmam a versão dos fatos trazida aos autos pelos herdeiros do “de cujus”: “...a própria recorrente, na verdade, produziu robusta prova de sua conduta negligente e imprudente. O local de trabalho chegou a permanecer mais de um mês sem a adequada higienização e desinfecção, inclusive em data próxima ao período de contágio do ‘de cujus’, o que já denota a ausência de cuidados mínimos com o ambiente laboral e a higidez física dos funcionários, indicando alta probabilidade de que o contágio deu-se no local de trabalho. Veja-se, a propósito, as datas dos obituários de fls. 15/16, todos de trabalhadores falecidos em datas próximas...”.


A Excelentíssima Senhora Doutora Desembargadora-Relatora adverte que a Empregadora, em sua tese recursal, acaba esbarrando na má-fé: “...age no limiar da má-fé a demandada ao afirmar que o empregado falecido fazia uso de transporte público, visto que consta: ‘a)’: ‘o colaborador (...) utilizava meio de transporte próprio para se deslocar até o seu trabalho, ou quaisquer outros meios’. A interessada alega apenas genericamente que o ‘de cujus’ poderia realizar outras atividades, sem se desincumbir de seu ônus de indicar e comprovar especificamente quais outras atividades o teriam exposto a um risco desproporcional ou razoavelmente maior que aquele a que estava exposto no local de trabalho (CLT, 818, II). Por fim, a cláusula XVII da CCT (‘Prevenção de doenças’) igualmente evidencia o dever objetivo de cumprir as normas sanitárias dos Estados e Municípios, o que claramente não foi observado. Evidente, ao contrário do alegado, que a empresa deixou de observar minimamente os protocolos de segurança e higidez do ambiente laboral...”.


E o desfecho do voto vencedor não poderia ser diferente: “...diante do explanado, correta a r. sentença ao reconhecer a culpa, o nexo causal e o dano sofrido, condenando a ré no pagamento das indenizações por danos materiais e morais. Mantenho a indenização por dano moral no valor de R$ 300.000,00 e a pensão mensal desde 13/06/2021 (data do óbito) no importe da última remuneração do ‘de cujus’, segundo critérios e limites de fls. 1087/1088, contra os quais não há insurgência...”.


Além da Excelentíssima Senhora Doutora Desembargadora-Relatora já nominada, participaram do julgamento do recurso os não menos ilustres e também eminentes Magistrados do Trabalho Dóris Ribeiro Torres Prina (brilhante Revisora, que também presidiu a solene sessão de julgamento) e Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira (sábio Terceiro-Votante). Por fim, o DD. Representante do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e Baixada Santista) também tomou parte no julgamento.


Cabe recurso dessa decisão.


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© 2022 por Antônio Valente Jr. - Advogado. 

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