
As decisões judiciais favoráveis se multiplicam. Já dissemos aqui, aqui e aqui que o “...contágio por covid-19 pode ser considerado acidente do trabalho...”. Não se pode ignorar: nos casos em que a empregadora não adota protocolos sanitários eficazes para evitar o contágio por covid-19 (ou não fiscaliza o seu efetivo cumprimento), essa doença pode ser reconhecida como acidentária, em reclamatória trabalhista. E mais: a empregadora pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais.
No presente artigo, destacamos a sentença recentemente proferida pela Excelentíssima Senhora Doutora Juíza Lorena de Mello Rezende Colnago, da 17ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo/SP. Essa decisão foi prolatada em reclamação trabalhista movida por uma Operadora de Triagem e Transbordo que trabalha nos CORREIOS, mais especificamente na unidade de nome CTC Jaguaré-SP/SPM. Essa empregada alegou que a unidade mencionada não adotava protocolos sanitários necessários para conter o contágio por covid-19, e que sobreveio a sua contaminação. Requereu o reconhecimento desse contexto, a lavratura da Comunicação de Acidente de Trabalho e uma indenização por danos morais, decorrente do trabalho nessas condições e do contágio.
Logo no início da sentença, a Magistrada de notável saber jurídico reproduz as alegações da empregada, e destaca provas pré-constituídas e constantes do processo: “...a reclamante afirma que a reclamada não adotou protocolo sanitário eficaz algum (e adequado à sua atividade), que mitigasse o risco de contágio dos seus empregados pelo novo coronavírus e como consequência, contraiu tal patologia, conforme teste positivo do dia (...), permanecendo afastada das suas funções durante o período de (...) a (...). A sentença, fundamentada no laudo e a inspeção judicial, concluiu que o local de trabalho apresentava grandes riscos de contágio por covid-19, tendo em vista que as regras sanitárias não estavam sendo devidamente observadas. Na r. sentença consta que não é feita triagem de pessoas que acessam as dependências da reclamada; há compartilhamento de postos de trabalho, equipamentos e máquinas sem a devida higienização e desinfecção dos materiais; há disponibilização insuficiente de álcool; a reclamada não controla casos de infecção dos trabalhadores terceirizados; dentre outras circunstâncias que demonstraram que a ré não observava os protocolos de segurança...”.
Sobre a responsabilidade do empregador, a ilustre Julgadora enumera os requisitos legais para a sua caracterização: “...para que haja a responsabilidade civil do empregador (arts. 186, 187 e 927, parágrafo único, CC/02 c/c art. 8º, parágrafo único, CLT), deve-se analisar: (a) a ocorrência do dano, (b) a culpa ou o dolo do empregador (exceto se a atividade for de risco, caso em que a responsabilidade será objetiva), bem como (c) o nexo de causalidade entre a atividade desempenhada na empresa e o dano causado. A proteção à saúde do trabalhador e a outros direitos que visem à melhoria de sua condição social, com a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CF/88) e a manutenção de um meio ambiente do trabalho saudável e hígido (art. 200, VIII, CF/88) se insere na função social da empresa (art. 170, CF/88), devendo o empregador adotar todas as medidas necessárias para eliminar o potencial dano à saúde do trabalhador, fixados também na Convenção 155 da OIT e parte do trabalho decente, agenda do Programa do Trabalho Seguro do TST. Acidente de trabalho, nos termos da Lei nº 8.213/91, é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou do trabalhador doméstico, provocando lesão ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou ainda a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (art. 19). Pode ser classificado como acidente de trabalho ainda, a doença profissional, ou seja, aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade (com rol elaborado pelo MTPS), bem como a doença do trabalho, assim entendida aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente...”.
Mais especificamente sobre a covid-19 enquanto doença relacionada ao trabalho, a Excelentíssima Juíza do Trabalho nos ensina: “...ainda que a doença não conste das relações do Ministério do Trabalho, pode ser considerado acidente de trabalho, caso constatado que a doença resultou das condições especiais em que o trabalho é executado (art. 20, §2º, da Lei 8.213/91). Não obstante a suspensão do referido artigo 29, da Medida Provisória 927/2020, a Lei de Benefícios da Previdência Social, em sua alínea d, parágrafo 1ª, do art. 20, estabelece que a doença endêmica, adquirida pelo trabalhador, em região onde ela se desenvolva, não será considerada como doença do trabalho, salvo se for comprovado que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. Assim, para a caracterização da Covid-19 como doença do trabalho, é necessário analisar cada caso concreto e suas peculiaridades...”.
Já sobre a unidade da empregadora em que a empregada executa as suas atividades profissionais, e a postura daquela face ao contexto pandêmico, a sábia Doutora Lorena Colnago destaca: “...nos autos da ACP, foram analisadas as condições de trabalho nas dependências da reclamada, o local de trabalho apresentava grandes riscos de contágio por Covid-19 e as regras sanitárias não estavam sendo devidamente observadas, conforme a inspeção judicial realizada no dia (...). Diante da revelia da reclamada e das provas constantes dos autos, denota-se que a contaminação pelo Covid-19, possui relação com a atividade laborativa. Assim, constata-se a existência do nexo causal entre as atividades desenvolvidas para a reclamada e o dano quanto à doença adquirida no ambiente de trabalho, nos termos do art. 20, inciso I, da Lei nº 8.213/91, eis que a doença resultou das condições especiais nas quais o trabalho era executado. Em se tratando de acidente do trabalho ou fato equiparado (doença ocupacional), conforme determinação do art. 927, parágrafo único do Código Civil, aplica-se a teoria do risco, imputando responsabilidade objetiva ao empregador quando a atividade normalmente desenvolvida pelo mesmo importa em risco para outrem. Ainda que assim não o fosse, a Reclamada ao descumprir uma decisão judicial, que determinou a adoção de medidas preventivas obrigatórias, descumprimento de suspensões de atividade conferidas por decisão do segundo grau deste E. TRT em liminar, que determinou a suspensão das atividades na unidade do Reclamante (Centro de Triagem de Cartas (CTC) Jaguaré-SPM) de 1 a 15 de junho de 2020. Esse ato omissivo afeta a simbologia do Poder Judiciário e de todo o sistema de Justiça, e merece ser combatido com efetividade...”.
Essa sucessão de eventos levou ao acolhimento da pretensão acidentária da empregada: "...portanto, condena-se a Reclamada a expedir CAT (Comunicação do Acidente de Trabalho) ao Reclamante, no prazo de 5 dias, contados da intimação dessa decisão, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, sem limitação (art. 765 da CLT c.c. art. 311 do CPC), até que a obrigação seja cumprida, sem prejuízo da caracterização do crime de desobediência. Oficie-se ao Ministério Público do Trabalho, junto à coordenadoria que trata das infrações às normas de saúde do trabalho, mas também ao Ministério Público Federal ante a notícia do descumprimento de decisões judiciais...".
Já sobre o dano moral, a nobre Julgadora fez constar da sentença: “...o dano moral é aquele que atinge os atributos da dignidade (art. 1º, III da CRFB) e personalidade da pessoa (art. 11 e ss. CC), merecendo uma indenização de caráter pedagógico por atingir um bem imaterial (art. 5, V e X, CF e art. 186, 187 e 927 CC), sendo por isso cumulável com o dano material (Súm. 37 STJ). O fato da Reclamada não cumprir a decisão judicial atraiu para si a responsabilidade quanto ao meio ambiente de trabalho sadio (Convenção 155 da OIT, art. 6 e 7º, 225 da CF, art. 157 e seguintes da CLT) e às lesões causadas ao Reclamante por fato omissivo, cometido de modo consciente, com intenção de descumprir decisões judiciais, o que afeta o símbolo do Judiciário, conforme a fundamentação do capítulo de sentença anterior. Diante do exposto, a fixação do 'quantum' deve observar a extensão do dano (art. 944 do CC), a capacidade econômica da vítima que não pode ser um fator de dupla penalização pela parca condição econômica da Reclamante, para evitar um enriquecimento sem causa (art. 844 do CC) e a capacidade econômica do ofensor (empresa/capital social) a fim de atingir o caráter pedagógico da indenização. Levando em consideração cada fator apresentado, arbitra-se a indenização em R$ 15.000,00, sendo procedente o pedido...”.
O CORREIO não recorreu dessa sentença, e o processo está na fase de cálculos.
Saiba mais aqui.
Corrêa, Rocha & Valente Advogados Associados – Direito de ecetista para ecetista.
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