
Em brilhante sentença recentemente publicada pela 5ª Vara do Trabalho da Barra Funda - São Paulo/SP, a Excelentíssima Senhora Doutora Juíza do Trabalho Gessica Osorica Grecchi Amandio julgou procedente a complexa reclamatória trabalhista proposta por um Agente de Correios lotado no Turno 3 da unidade dos CORREIOS, de nome CTC Jaguaré.
Esse empregado fazia parte de um grupo composto por aproximadamente 80 (oitenta) colegas de setor. Em virtude de uma conjunção de fatores que ameaçavam a sua saúde face o iminente de contágio por covid-19 no início da pandemia, todos eles se ausentaram do trabalho em conformidade com o protocolo sanitário previsto pela própria empregadora, e durante o período em que havia uma liminar deferida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Essa decisão judicial determinava que a empregadora cumprisse os protocolos sanitários para evitar a propagação da covid-19 por ela mesma previstos e ostensivamente divulgados. Mas que não eram aplicados, na prática.
A primeira tentativa da empregadora de afastar sua condenação foi suscitar a incompetência da 5ª Vara do Trabalho da Barra Funda – São Paulo, para julgar o caso. Sustentou em sua defesa que o interesse processual do empregado estava atrelado à uma ação coletiva, proposta pela entidade classista. Entretanto, de forma objetiva, não há identidade de partes ou de causas de pedir entre as ações, que tratavam de pedidos totalmente diversos. Obviamente, a ilustre Magistrada rechaçou essa pretensão: “... a reclamada argui que o juízo da 51ª Vara do Trabalho tornou-se prevento tendo em vista que a pretensão declaratória visa o julgamento de matéria já discutida e rebatida em processos anteriores por aquele juízo. De acordo com o art. 286 do CPC, serão distribuídas por dependência as causas que se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada; quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda; quando o julgamento de processos sem conexão entre eles possa gerar risco de prolação de decisões conflitante ou contraditórias...”
E a sábia Julgadora prossegue: “... nesse passo, não há falar em prevenção do juízo da 51ª Vara da Capital, tendo em vista que a presente demanda requer seja declarada a inexistência de falta injustificada e o descumprimento da medida liminar deferida no Mandado de Segurança 1001934-96.2020.5.02.0000, não se tratando de reiteração de pedido postulado nos autos da ação civil coletiva, na qual o Sindicato da categoria requer o cumprimento das medidas sanitárias de prevenção à Covid-19, não havendo falar, portanto, em conexão, pois inexistente identidade de pedidos; ou em continência, ante a ausência de identidade de partes; não havendo, ainda, risco de decisões conflitantes...”
Ato contínuo, a Magistrada de valor demonstra ter um conhecimento profundo não só do contexto pandêmico em que o feito está inserido (e que, de fato, trazia risco de vida ao empregado) mas, principalmente, do conjunto probatório juntado aos autos: “... diversamente do arguido pela defesa, a reclamada foi intimada da concessão da tutela de urgência em 31/05/2020, como demonstra a certidão do Sr. Oficial de Justiça de ID. 8d0e500 dos autos principais (MS 1001934-96.2020.5.02.0000), razão pela qual, devido seu cumprimento a partir do próximo dia útil seguinte, 01/06/2020. A alegação de que os efeitos da tutela de urgência teriam sido suspensos por decisão proferida em 28/04/2021, nos autos da Suspensão de Liminar e Sentença nº 1001442.70.2021.5.02.0000, não merece prosperar, uma vez que a suspensão em comento tem por objeto ‘decisão proferida pela MM.ª Juíza Substituta da 51ª Vara do Trabalho de São Paulo, Dra. Viviany Aparecida Carreira Moreira Rodrigues, nos autos da Ação Civil Coletiva nº 1000525-29.2020.5.02.0051’, conforme consta da decisão do SLS, juntada aos presentes autos, em ID. 3321533, na qual, determinou-se o cumprimento das obrigações impostas na Ação Civil Coletiva, independentemente do trânsito em julgado, e não a medida liminar deferida nos autos do MS 1001934-96.2020.5.02.0000, na qual o reclamante funda o descumprimento de ordem judicial e a justificativa das faltas que ensejaram o instauração de PAD, afastando a suposta inexistência de ordem judicial a garantir as faltas...”
A brilhante Julgadora prossegue, destacando o trecho da decisão proferida no mandado de segurança onde foi concedida a liminar em comento: “... por oportuno, transcrevo trecho da decisão do Mandado de Segurança, em que deferida parcialmente a medida de urgência, nos seguintes termos: ‘Destarte, ‘ad referendum’ da MM. Desembargadora Relatora sorteada, CONCEDO PARCIALMENTE a liminar a fim de determinar que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos suspenda as atividades presenciais na unidade de trabalho do empregado a que se refere o documento ID. 9f388d1 (Marcelo Rodrigues da Silva, 89159390), observando-se e cumprindo-se o disposto no protocolo estabelecido pela empresa acima transcrito (item 5.3, letra "I", fls. 75 do PDF), sem qualquer prejuízo aos empregados envolvidos, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 até o efetivo cumprimento da medida’...”
A ilustre Juíza destaca ainda que o próprio protocolo sanitário divulgado pela empregadora previa a suspensão das atividades na unidade de trabalho do empregado, pelo período previsto na liminar (e em que o empregado se ausentou das atividades presenciais): “... em consulta ao Protocolo de Medidas Preventivas à Covid-19 adotado pela reclamada, juntado nos autos da ACC 1000525-29.2020.5.02.0051, verifico que o mencionado item 5.3, alínea ‘l’, determina que ‘Identificado casos confirmados em unidades de trabalho, o seu efetivo será considerado como caso suspeito, pelo período de 15 dias, e deverá executar a modalidade de trabalho remoto, conforme o caso. Proceder a evacuação da unidade e realizar imediatamente e intensivamente a limpeza do local, abrangendo móveis, maçanetas, corrimãos, entre outros’...”
E reconhece, por sentença, que a reclamada não cumpriu o protocolo sanitário para evitar a propagação do vírus do covid-19 que ela própria divulgou que havia adotado: “... embora o Protocolo de Medidas Preventivas da reclamada, em seu item 5.3, letra ‘l’, determinar a suspensão pelo período de 15 dias a partir da confirmação de caso de covid-19 na unidade de trabalho, considerando que não houve a imediata suspensão no caso da confirmação de contração de covid-19 Marcelo Rodrigues da Silva, em desrespeito ao protocolo interno da empresa, instituído com base em normas de segurança e saúde públicas, de rigor que a suspensão por 15 dias dê-se a partir da sua instituição, considerando que a continuidade da atividade em ambiente potencialmente contaminado possibilita o contágio diário dos empregados que nele permanecem exercendo seu ofício, propagando a cadeia de contaminação pelo vírus...”
E ela prossegue: “... assim, a suspensão determinada em sede liminar nos autos do Mandado de Segurança determina seu cumprimento por 15 dias, nos termos do protocolo, sem mencionar sua retroação à data da confirmação do contágio pelo empregado Marcelo Rodrigues da Silva por questões científicas de saúde pública, tornando necessário observar que a suspensão por 15 dias a partir da identificação de caso confirmado, como descrito no protocolo, se dá quando respeitada a necessária imediatidade, o que não ocorreu na hipótese em comento, razão pela qual, o distanciamento por 15 dias deve ser mantido, a fim de garantir a interrupção da linha de contágio, mormente considerando a existência de inúmeros casos assintomáticos, não cabendo à reclamada restringir a aplicabilidade da determinação judicial, se esta própria não o fez...”
Não se pode ainda deixar de destacar que a ilustre Juíza ressalta que o período em que o empregado se ausentou do trabalho pelos motivos já destacados e legítimo: “... a suspensão das atividades no setor de trabalho do funcionário Marcelo Rodrigues da Silva, portanto, deveria ocorrer por 15 dias a partir da intimação da reclamada, em 31/05/2020, ou seja, de 01/06/2020 a 15/06/2020, sendo certo que a extinção do Mandado de Segurança, sem resolução de mérito, em razão da perda superveniente de seu objeto, não tem o condão de invalidar ou anular a eficácia dos efeitos da liminar durante o período de sua vigência, razão pela qual, a ausência de suspensão do expediente pela reclamada caracteriza descumprimento à liminar deferida nos autos do Mandado de Segurança...”
E ela prossegue, destacando que a prova oral ratifica a ausência de protocolos sanitários eficazes para conter o contágio por covid-19: “... nesse passo, não há como considerar que o reclamante faltou injustificadamente ao trabalho no período de 01/06/2020 a 15/06/2020, uma vez que a reclamada não logrou comprovar sua alegação de que o reclamante não trabalhava em contato ou próximo ao empregado Marcelo Rodrigues da Silva, pois, embora o croqui juntado com a defesa indique que o reclamante trabalhava cerca de 36 metros de distância de Marcelo (ID. 40ee2e1 - Pág. 15), a única testemunha ouvida, convidada pelo reclamante, afirmou que ‘o reclamante trabalhava no CTC Jaguaré turno 3; (...) que dentro dessa Unidade de trabalho não existia isolamento; que apenas a sala de gerencia e o setor administrativo tinha isolamento, pois eram fechados; que o restante do andar não tinha isolamento e nem divisor de célula”, revelando que reclamante e Marcelo habitavam o mesmo ambiente por todo o expediente, sem qualquer barreira física a garantir dificuldade de contágio’...” (GRIFOS NOSSOS)
O flagrante descumprimento dos protocolos sanitários contra covid-19, pela empregadora, foi constatado inclusive em inspeção judicial, realizada na ação coletiva já referida. E esse fato não escapou da nobre Julgadora: “... frise-se ainda, que em inspeção judicial ao ambiente de trabalho, realizada pela Excelentíssima Juíza da 51ª Vara do Trabalho, Viviany Aparecida Carreira Moreira Rodrigues, nos autos da mencionada ação coletiva, esta verificou que ‘Embora haja demarcação dos setores de trabalho no piso com mais de 1 metro de distância, os postos de trabalho não são fixos e há livre circulação dos trabalhadores – inclusive dos terceirizados - por todo o espaço, sem qualquer respeito às demarcações existentes no chão e sem qualquer observância de distanciamento social’, convalidando o temor do reclamante em relação à preservação de sua saúde e sua vida em razão da confirmação da covid-19 em empregado que trabalhava no mesmo ambiente de trabalho, ainda que seu posto fixo de trabalho estivesse há muitos de distância, ante a circulação de empregados por todo o perímetro. Dessa forma, não há como prosperar a alegação da reclamada de que a suspensão de expediente liminarmente deferida não contemplou o reclamante...” (GRIFOS NOSSOS)
Diante desse contexto, a ilustre Julgadora destaca que o temor dos empregados em se verem contaminados num setor de trabalho sem protocolos sanitários eficazes contra a covid-19 é legítimo. E a consequente ausência ao trabalho, justificada: “... o fato de a reclamada ter descumprido a liminar, não comunicando a suspensão e não interrompendo a prestação de serviços presenciais dos empregados do setor de trabalho do CTC do Jaguaré do turno 3 , não tem o condão de macular o cumprimento espontâneo da medida por seus empregados, mormente porque fundados em legítimo temor e sob o manto de medidas de segurança convalidadas pelo protocolo de prevenção adotado pela reclamada e com o aval do Estado, razão pela qual, a ausência de reclamante ao trabalho no período de 01/06/2016 a 15/06/2016 não caracteriza falta injustificada...” (GRIFOS NOSSOS)
Assim, a nobre Magistrada declara, por sentença, que a empregadora descumpriu decisão judicial, e determina a nulidade do processo administrativo que ocasionou descontos salariais e punições ao empregado: “... nesse contexto, de rigor a anulação do processo administrativo disciplinar NUP 53177.50145/2020-58 – GPA_C:72.010155.20, no qual se averigua a prática de supostas irregularidades funcionais decorrentes de falta injustificadas cometidas de 09/06/2020 a 15/06/2020 (ID. 4e9d04c - Pág. 1), tendo em vista que a ausência do reclamante foi motivada e justificada em ordem judicial, como exposto. Ante o exposto, defiro o pedido declaratório de descumprimento da medida liminar parcialmente deferida nos autos do MS 1001934-96.2020.5.02.0000, e de nulidade do processo administrativo disciplinar NUP 53177.50145/2020-58, instaurado em face do reclamante.” (GRIFOS NOSSOS)
Além das punições e descontos salariais, a conduta da empregadora também impediu o empregado de receber uma progressão salarial prevista em Plano de Carreiras, Cargos e Salários. Como consequência do parágrafo anterior, a ilustre Julgadora condenou também a empregadora a conceder tal progressão: “... assim, considerando a fundamentação do tópico anterior, que reconhece a justificativa judicial das faltas, de rigor a progressão funcional do reclamante em uma referência salarial a partir do mês de novembro de 2020, à míngua de indicação de outros elementos a afastar o direito de progressão do reclamante ou impugnação quanto à data de progressão indicada na petição inicial. O cálculo deverá englobar o mês de novembro até a inclusão da referência salarial em folha de pagamento, a ser realizada após o trânsito em julgado, após intimada a tanto, em prazo sob pena de multa a ser oportunamente fixados (art. 537 do CPC). Face a natureza salarial da parcela, devidos reflexos em décimo terceiro salário, férias com 1/3, anuênio, adicional de periculosidade e adicional noturno. Defiro o pedido de incorporação de uma referência salarial por progressão funcional a partir de novembro de 2020, e o pagamento das respectivas diferenças salariais e reflexos em décimo terceiro salário, férias com 1/3, anuênio, adicional de periculosidade e adicional noturno...” (GRIFOS NOSSOS)
Sempre atenta aos limites da lide, ao dano que a conduta da empregadora causou ao empregado e, principalmente, com uma fundamentação irrepreensível, a brilhante Magistrada não descuidou de também condenar a empregadora a indenizar o empregado pelos danos emergentes: “... assim, legítimas as faltas do reclamante ao trabalho no período de 1º a 15 de junho de 2020, indevidos os descontos efetuados a título de faltas 054002, repouso/feriado – perda 054033, no holerite do mês de julho de 2020 (...) Defiro o pedido de reembolso do valor pertinente às faltas, no valor de R$ 759,07, e ao repouso/feriado – perda, no valor de R$ 303,63, descontados do pagamento de julho de 2020...” (GRIFOS NOSSOS)
E a sábia Juíza também condenou a empregadora ao pagamento de uma indenização por danos morais: “... descumprimento de ordem judicial para suspensão da prestação de serviços revela a que reclamada atentou contra a ordem jurídica, praticando ato ilícito, principalmente ao proceder a descontos de faltas cuja ausência era fundada em ordem judicial. Frise-se que eventual equívoco dos empregados quanto à abrangência da suspensão decorreria não de atitude afoita do Sindicato, mas da negligência e inércia da reclamada cumprir a ordem judicial, esclarecendo e informando corretamente seus empregados quanto ao alcance do comando..."
Ela prossegue: “... a culpa da reclamada, portanto, caracteriza-se pelo fato de, embora ter tomado conhecimento da determinação judicial, não suspendeu a prestação de serviços presenciais, punindo irregularmente os empregados que interromperam a prestação de serviços nos moldes da medida judicial, emanada com a finalidade de proteger o direito à vida e garantir um local de trabalho seguro para os empregados. A ilicitude deriva do descumprimento da ordem judicial, que possui o condão de aterrorizar o empregado no ambiente de trabalho, afetando seu equilíbrio psicológico, uma vez que compelido a continuar trabalhando em ambiente no qual presente agente patológico com potencial letal, conjugando, assim, os elementos caracterizadores do dano moral.
E a conclusão não poderia ser diferente: “... quanto ao arbitramento do dano moral, o julgador deve ter em mira os requisitos e a graduação previstos nos incisos do artigo 223-G da CLT e seu parágrafo 1º, tal qual, a natureza do bem tutelado e os possíveis efeitos do dano, como a intensidade, a extensão, a duração, dentre outros requisitos. Com base nisso, tendo em vista que a reclamada não cumpriu com o seu dever de cuidado em relação à integridade moral e física do reclamante, tendo em vista as diversas agravantes que podem decorrer do descumprimento da ordem judicial que visava proteger a vida e o ambiente de trabalho saudável; a reverberação psicológica decorrentes dos descontos indevidos no pagamento, embora possível a superação psicológica; a inexistência de demonstração de reflexos sociais na vida do reclamante, entendo que esta possui natureza grave, fixando o valor da indenização em R$ 35.000,00, observado o último salário do reclamante, no valor de R$ 2.737,72 (ID. 61ac168). Sendo assim, defiro o pedido pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 35.000,00.” (GRIFOS NOSSOS)
A empresa ainda pode recorrer da decisão.
Saiba mais aqui.
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